segunda-feira, 23 de dezembro de 2013
terça-feira, 10 de dezembro de 2013
UM OLHAR MEMORIALÍSTICO SOBRE O TEATRO JOINVILENSE: 1865-1950
(Sandra Pereira)
Joinville é conhecida por ser uma cidade de perfil
industrial e por concentrar, predominantemente, o seu ramo econômico na
indústria metal-mecânica além de outros segmentos. No entanto, o fazer teatral
em Joinville, remonta ao início do século XX com a articulação de grupos musicais , de canto-coral, orquestrais e ligados ao fazer dramatúrgico.
Herkenhoff (1987,
p. 92-93) salienta que
desde muito cedo a colônia
alemã estabelecida em Joinville, já por
volta de 1865, tanto na zona urbana como na área rural, por meio da igreja Luterana e Católica ou de associações de
ginastas ou culturais, valorizava a
música por intermédio
do canto coral.
A música fazia parte da vida das famílias de Joinville. Segundo a pesquisadora Rosenete Marlene Eberhardt Llerena, em sua
dissertação sobre o patrimônio musical Joinvilense[1], há dados que
remontam ao ano de 1900 e que dão testemunho de todo
esse movimento musical
que só crescia e
vinha acrescentado de pequenas orquestras e grupos musicais.
A pesquisadora ampara-se
em Herkenhoff (1989, p. 15) que situa a existência de um meio
artístico na cidade em 1900,
descrevendo o 4.°
centenário do descobrimento
do Brasil, comemorado durante dois dias em nossa cidade
e afirma que “nos dias 3 e 4 de maio de 1900 a comemoração
aconteceu com
extensa programação cultural. Três peças
de teatro foram
apresentadas naqueles dias, duas
peças no idioma alemão e uma em português (grifo nosso), as três seguidas
de bailes. Em 1901, nos festejos de 50 anos de fundação da cidade de Joinville, aconteceu a estreia de três grupos teatrais (grifo nosso), com
considerável público.”
Ainda sobre o crescimento de grupos
teatrais e sociedades culturais naquele início de século, Herkenhoff (1989)
ressalta o grupo da Sociedade
25 de Abril,
que em 1900 apresentou
uma peça teatral
em português (grifo nosso),
com muito sucesso. Outros grupos se destacaram usando o idioma da
terra.
João Graxa Gonçalves, um dos músicos
que se destacaram na cidade também atuou nos bastidores do teatro joinvilense. Herkenhoff
(1989, p. 16) o descreve como “maestro que desempenhou importante
papel e direção
em várias peças
teatrais”. Além
de ter sido
“grande incentivador do teatro falado
em português”, compôs textos musicais para várias peças teatrais.
Outro nome que merece ser citado é o de Inácio
Bastos, chefe da
estação telegráfica de
Joinville, poeta e autor de
várias peças teatrais.
O livro “História
de Joinville”, de Carlos Ficker (2008),
traz muitos relatos sobre a vida e o desenvolvimento da cidade de Joinville por
volta de 1904 e 1906 que contribuem para assinalar as primeiras produções
teatrais compostas e encenadas em Joinville. Porém, nas duas primeiras
décadas do século
XX ocorreu o primeiro
grande abalo na
estrutura psicossocial, por
fatos relacionados com
a Primeira Grande
Guerra Mundial. Abalos
não sentidos em
âmbito econômico, e
sim incidentes em
suas atividades culturais
e formas de
repressão relacionadas às
questões étnicas, conforme Herkenhoff (1987).
Segundo
Coelho (2005), os imigrantes alemães estariam longe de constituírem
maioria numérica, porém,
pela construção e
preservação de sua
identidade étnica, se destacaram
no processo de colonização e integração
ao meio nacional. No fim
da década de
1930 uma mescla
de valores nacionalistas
e autoritários movia o Estado Novo sob ordem do Presidente
da República Federativa do
Brasil. Getúlio Vargas
iniciou no ano
de 1938 a chamada
“grande obra de nacionalização”,
que tinha como função principal suprimir qualquer atividade política de estrangeiros imigrantes no Brasil.
Os grupos de canto-coral e de teatro que se formavam,
muitos deles, dentro das escolas, passam a sofrer os efeitos da nacionalização
imposta por Getúlio Vargas, presidente do Brasil por dois mandatos. Coelho
(2005) enfatiza ainda
que no estado
de Santa Catarina
a nacionalização adquiriu formas diferenciadas, dirigidas enfaticamente
aos imigrantes descendentes de origem
alemã, o
que culminou numa combinação de esforços por parte do
governo, de ações
militares, com a
firme intenção de
“abrasileirar os brasileiros”.
Até 1930 o
idioma alemão era
o cotidiano na
cidade de Joinville,
em todos os modos de
relações. Para Ternes (1984), tal fato decorria da falta de oferta por parte
dos governos, até
então, de escolas
e outras formas
de auxílio aos imigrantes que
viviam conforme a
bagagem de conhecimentos
que trouxeram da
Europa.
Segundo Ternes (1984),
as medidas da
nacionalização forçaram o fechamento
de todas as escolas que ensinavam em idioma alemão, o que acabou por
provocar falta de vagas em escolas públicas aos alunos egressos das escolas particulares.
“O governo não criou escolas públicas suplementares”; principalmente em áreas rurais da cidade faltavam
professores, o que resultou em queda na qualidade no ensino. Das 661 escolas que atuavam nas
regiões de imigração alemã em 1937, sobraram 113 em
1938 e
em 1939 o número
de escolas era 69. Logo,
não havia vagas nas escolas
públicas para todas
as crianças em
idade escolar, assim
a obrigatoriedade de uso do idioma português nas atividades
escolares teve o reflexo de “emudecer”
a maior parte
das crianças e
dos professores que
tinha como primeira
língua o alemão,
causando graves problemas
pedagógicos. As medidas
tomadas pela nacionalização geraram
reflexos imediatos na
comunidade dos imigrantes
alemães, que não
foram absorvidos na sua totalidade
pelas escolas públicas existentes nesse período. Portanto, o desmonte da comunidade
artística foi
e da estrutura escolar estão associados e, como consequência, houve o desmantelamento
de várias grupos de canto-coral e de teatro que haviam surgido dentro das
escolas. Quando em pleno funcionamento, a Escola Alemã, era conhecida por
ensinar e promover o canto-coral, chegando a formar cantores que iriam compor
outros corais locais.
Partindo da
premisssa de que quanto mais cedo um cidadão for exposto à fruição de um bem
cultural e/ou ao ensino de uma arte mais chances terá de ser uma pessoal
completa, tem-se a escola como espaço essencial à formação artística e
oportunidade de assimilações estéticas variadas. Assim sendo, a forte pressão
imposta pelos ideais nacionalistas e o consequente fechamento das escolas
implicaram numa visão reducionista acerca da fruição de
bens culturais até
então circulantes.
Encerrava-se um
ciclo produtivo nas apresentações teatrais musicadas e faladas e nas quatro décadas
seguintes a produção cultural desenvolvida em
Joinville ficou restrita a algumas festas
de igreja, aos bailes de salão nos finais de semana (que persistem até os dias
atuais), à Festa das Flores, aos jogos de futebol, à fruição do acervo dos museus, aos cinemas e eventuais
exposições de artes plásticas.
Da época getulista até os idos de 1970, a cidade ressente-se
da ausência de espetáculos produzidos em
Joinville apesar da potencialização da expansão industrial que ocorria na
cidade.
“[...] da década de 1970 para
cá a população de Joinville cresceu de 150 mil habitantes para pouco além dos
500 mil atuais. A área urbana ampliou-se
em vários quilômetros,
surgindo na geografia
da cidade novos e populosos
bairros. O perímetro urbano, de uma extremidade a outra,
varia em torno
de 25 km. Novas três
Joinvilles foram agregadas à
cidade de 1973. A frota de veículos automotores saltou de 19 mil para os atuais
250 mil. Em 1966 a frota não chegava a 5.140 mil veículos
motorizados. O número
oficial de ruas
e avenidas cresceu de 1.200, em
1974, para 4.129 hoje, o que, somando a
becos e servidões, eleva a mais de 5 mil as ruas na cidade. “ (TERNES, 2010:
332)
A despeito desse perceptível desenvolvimento industrial, não
existia, contudo, produção teatral na cidade, salvo uma ou outra iniciativa
isoladas, notadamente nas décadas de 70 e 80, que não apresentaram continuidade,
gerando um novo hiato da oferta desse bem. Nesse cenário contudo, o teatro da
Sociedade Harmonia Lyra continuava, vez por outra, a trazer shows musicais e ao final da década de
80 e início da década seguinte, recomeçou a trazer peças teatrais com artistas renomados, vindos
dos grandes centros culturais do país (eixo Rio-São Paulo).
Ainda sobre a década de 80, vale ressaltar que a cidade
continuou a progredir no ramo industrial e também em outros segmentos o que
propiciou uma diversidade econômica que trouxe em seu bôjo oportunidades de
negócios para os setores ligados ao comércio, à saúde, ao turismo executivo
notadamente, ao lazer e à cultura em termos de festas populares, abertura de
salas de cinema em shoppings e exposições de artes plásticas. Segundo Ternes
(2010: 333) “A globalização
mudou o cenário econômico de
Joinville nas últimas
décadas [...]” e
novos negócios surgiram como fábricas de equipamentos para
ginástica, produtoras de softwares,
modernização tecnológica, gestão empresarial informatizada e um número
expressivo de abertura de pequenas
e médias empresas
fomentando o crescimento
econômico local.
No entanto, somente
a partir de 1997 o cardápio cultural será ampliado com uma maior articulação na área teatral. É nessa fase que a
cidade passa a contar com a retomada de uma produção local mais constante devido a chegada de alguns
diretores de teatro vindos de outras cidades. Deixava-se de encenar espetáculos
apenas trazidos pelos grupos teatrais de outros pólos para reativar a produção
local feita por diretores, escritores e
atores que residiam em Joinville. Ressalte-se o papel da UNIVILLE-Universidade
da Região de Joinville que passou a contar com um grupo de teatro na década de
90 o que ajudou a fomentar a produção local ao lado de outros nomes.
Face ao poder do teatro em operar uma leitura do social e do nosso
entorno; de possiblitar a percepção de uma verdade sob vários ângulos treinando
nosso olhar e aguçando nosso senso crítico sobre temas variados (BOAL: 1991) é que considera-se fundamental a inserção da
oferta do teatro como bem cultural à uma
população marcadamente imersa num cotidiano de ferro e aço, pouco ou nada exposta à fruição desse produto
cultural, como forma de ampliar sua visão sobre seu próprio entorno e
possibilitar reflexões para além do mesmo.
Assim, considera-se relevante um registro acerca da evolução do
teatro em nossa cidade sob a forma de um olhar memorialístico, inicialmente
sobre a produção teatral feita em Joinville, por pessoas aqui residentes, no período 1865 -1950 e que pode tornar-se
viável a partir de pesquisas bibliográficas, documentais, webgráficas que
possibilitará recuperar registros que ajudem a contar acerca da produção
teatral local daquelas décadas.
A pesquisa bibliográfica e documental, além de contribuir
para a recontar o teatro que se fazia naquelas épocas, também servirá para
aguçar nosso olhar sobre as relações sociais subjacentes a esse movimento
cultural, bem como, ajudará a compreender as relações de poder implícitas em
tais relações.
Outra
justificativa ao trabalho que ora se empreende é o fato de que o teatro é uma ferramenta para questionar o mundo, pois tematiza problemas do cotidiano e do entorno do
cidadão, conclamando-o à reflexão, à mudança de posturas e tomada de decisão, à
quebra de paradigmas, à reconstrução de um novo cenário social, melhor ou
inteiramente novo o que significa aprender a fazer a política no cotidiano de
nossas ações “pois todo o teatro é necessariamente político, porque políticas
são todas as atividades do homem, e o teatro é uma delas. Afinal, o teatro é transformação, movimento,
e não simples apresentação do que
existe. É tornar-se e não ser.” (BOAL: 1991). Nesse sentido,
entendemos que ao registrar a evolução do teatro em Joinville será possível
perceber a crescente oferta desse bem cultural como uma intervenção positiva no
dia a dia da cidade, uma mudança nos hábitos de consumir cultura e, portanto,
uma transformação social em função de um cardápio cultural reconfigurado.
A investigação sobre as representações teatrais
em Joinville, nas décadas de 1865 à 1950, sustentada por conceitos de cultura,
patrimônio, identidade, memória, arte e diferentes concepções de teatro, a
partir da análise de múltiplas vozes, permite perceber como a cidade foi receptora
e produtora da arte teatral.
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– 1973-2008. Joinville: Editora Univille, 2010.
Sites consultados:
Página na internet sobre a Lei
Rouanet e seus diversos editais disponível em:
<http://www2.cultura.gov.br/site/>.
Acesso em: 18 mai. 2013, 16:30:30.
[1] LLERENA, Rosenete M.E. A memória do
patrimônio musical de Joinville: uma abordagem sócio-histórica e cultural das
composições de 1900 a 1950. Dissertação (Mestrado em
Patrimônio Cultural e Sociedade)–Universidade da Região de Joinville, Joinville, 2012, p.65-66.
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