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quinta-feira, 27 de junho de 2013

Fichamento. Aluna: Sandra Pereira. Disciplina: Memória e Identidade. Mestrado em Patrimônio Custural e Sociedade, turma VI, Univille. Profas: Ilanil Coelho e Raquel A. S. Venera.

Texto: CANCLINI, Nestor. Diferentes, desiguais e desconectados. UFRJ: Rio de Janeiro, 2005. Cap. 1.

Néstor García Canclini (La PlataArgentina1939) é um antropólogo argentino contemporâneo.
O foco de seu trabalho é a pós-modernidade e a cultura a partir de ponto de vista latino-americano. É considerado um dos maiores investigadores em comunicação, cultura e sociologia da América Latina.
Estudou Filosofia e concluiu o doutorado em 1975 na Universidade Nacional da Prata. Três anos depois, concluiu o doutorado na Universidade de Paris.
Atuou como docente nas universidades da Prata (1966-1975) e Buenos Aires (1974-1975).
Foi também professor nas universidades de StanfordAustinBarcelona e São Paulo.
É professor desde 1990 da Universidad Autónoma Metropolitana no México, onde está radicado
Um de seus livros lançados no Brasil com o título Culturas Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da Modernidade abriu uma nova linha para estudos culturais no continente.
Outro deles, Consumidores e Cidadãos(1995), propôs a politização do consumo e rompeu a forma tradicional de analisar hábitos televisivos.
É autor de estudos culturais interdisciplinares, ou seja, a cultura ou as culturas, bem como as suas interações, convergências e choques.
Estudioso da globalização e das mudanças culturais na América Latina, seu trabalho é marcado pela análise e as mesclas entre culturas, etnias, referências midiáticas, populares e tradicionais.
Recebeu o título de pesquisador emérito do Sistema Nacional de Pesquisadores do México.
Uma de suas obras, Culturas Híbridas, recebeu o prêmio Book Award, concedido pelo Latin American Studies Association, por ter sido considerado o livro do ano em 2002 sobre a América Latina.

Alguns livros em espanhol
·         Arte popular y sociedad en América Latina, Grijalbo, México, 1977
·         La producción simbólica. Teoría y método en sociología del arte, Siglo XXI, México, 1979
·         Las culturas populares en el capitalismo, Nueva Imagen, México, 1982
·         ¿De qué estamos hablando cuando hablamos de lo popular?, CLAEH, Montevidéu, 1986
·         Cultura transnacional y culturas populares (ed. con R. Roncagliolo), Ipal, Lima, 1988
·         Culturas híbridas. Estrategias para entrar y salir de la modernidad, Grijalbo, México, 1990
·         Cultura y Comunicación: entre lo global y lo local, Ediciones de Periodismo y Comunicación.
·         Las industrias culturales en la integración latinoamericana
·         La globalización imaginada, Paidós, Barcelona, 1999
·         Latinoamericanos buscando lugar en este siglo, Paidós, Buenos Aires, 2002
·         Lectores, espectadores e internautas, Gedisa, Barcelona, 2007

Títulos traduzidos para o português e lançados no Brasil
·         Culturas Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da Modernidade19902
·         Consumidores e cidadãos19951 2
·         Leitores, espectadores e internauta2008,1 Ed. Iluminuras, São Paulo
·         Diferentes, desiguais e desconectados, 2005, Ed. UFRJ, Rio de Janeiro
·         A globalização imaginada, (2003), Ed. Iluminuras, São Paulo
·         As Culturas Populares no Capitalismo,(1983), Ed. Brasiliense


Tema
 As narrativas mais recentes sobre “cultura” e identidade.
Problema
A inexistência de um conceito de cultura que dê conta de abarcar todos os processos do mundo global corrente, que contenha em si toda a multiplicidade identitária dos tempos pós-modernos e que  seja representativo do pensamento de todas as ciências.
Idéia principal
            Uma possível definição operacional, compartilhada por várias disciplinas ou por autores que pertencem a diferentes disciplinas acerca do que seja “cultura”.
Estrutura do texto
Introdução ao Capítulo 1: introduz o capítulo 1 expondo algumas das primeiras definições de “cultura”; comunica que é importante compreender como se foi chegando, nas ciências sociais, a certo consenso em torno de uma definição sociossemiótica da cultura e quais problemas colocam a este consenso as condições multiculturais em que este objeto de estudo varia. Em seguida, anuncia que irá se ocupar das redefinições operadas por jornalismo, mercados e governos pois essas noções, por terem eficácia social, devem fazer parte daquilo que é preciso investigar.
1ª parte: de uma perspectiva antropológica e apoiado em diversos teóricos, explana sobre  as duas principais narrativas existentes quanto ao que seja “cultura” e dos “labirintos do sentido”, ou seja, da multiplicidade de ideias daí advindas.
2ª parte: discorre sobre  as quatro vertentes contemporâneas que destacam diversos aspectos da perspectiva processual, a qual considera, ao mesmo tempo o sociomaterial e o significante da cultura. Não são paradigmas. São formas com as quais se narra o que acontece com a cultura na sociedade -o que implica em estar diante de conflitos nos modos de conhecer a vida social.
3ª parte: O autor propõe pensar a cultura não como substantivo, mas sim como o adjetivo cultural. Já que não faz mais sentido imaginar a cultura como um bem, propriedade de uma nação, faz sentido imaginar a cultura como, justamente, a qualidade desse sistema de significações próprios de um povo. E com esta visão, valoriza-se justamente a relação intercultural, como as diferenças  de  dois  ambientes  diferentes  dialogam  entre  si,  entre  outras  palavras,  a interculturalidade.
Autores com os quais dialoga:
LASKY, Melvin J.
Canclini faz crítica à Lasky (pág. 29 e 30) pois o último fala do “zumbido ensurdecedor”  produzido pela proliferação dos significados acerca do termo “cultura”. Lasky responsabiliza os marxistas (por terem começado a falar de “cultura capital”) e os antropólogos por terem utilizado a palavra a partir do próprio título do livro de Sir. Edward Tylor “Culturas Primitivas”. Lasky dizia que “Por definição, a cultura não poderia ser primitiva” (2003, p. 369)
Filósofos alemães: Herbert Spencer,Wilhelm Windelband, Heinrich Rickert (final séc XIX e início do séc XX).
Menciona, apenas ilustrativamente, deles a primeira noção, mais óbvia, da cultura como sendo o “acúmulo de conhecimentos e aptidões intelectuais e estéticas” (pág. 31)  e de Rickert, em particular, a distinção que o mesmo fazia entre cultura e civilização. Elegantemente faz coro “às muitas críticas que os estudiosos costumam fazer “a esta distinção taxativa entre civilização e cultura”. (pág. 31)
BORDIEU, Pierre.
Menciona Bordieu que opõe cultura e sociedade (pág. 39)
BAUDRILLARD, Jean.
Retoma apenas ilustrativamente BAUDRILLARD e seus “quatro tipos de valor na sociedade: uso, troca, signo e símbolo” (pag. 40)
HOBSBAWN,  
Quando CANCLINI menciona que as interações (das pessoas estrangeiras morando em outro lugar) têm efeitos conceituais sobre as noções de cultura e identidade, menciona HOBSBAWN como sendo o criador da ideia de identidade coletiva como sendo “mais camisa do que pele” e já aproveita para ironizá-lo dizendo que é preciso lembrar das inúmeras condutas racistas que ontologizavam na pele as diferenças de identidade  e diz que, “seria útil completar a metáfora de Hobsbawn com um análise dos variados tamanhos de camisa”. (pág. 45)
APPADURAI, Arjun
Concorda com APPADURAI que considera a cultura não como um substantivo, mas como adjetivo.
ORTNER e
GEERTZ
Concorda com ORTNER (1999, p.7) e GEERTZ que falam do “cultural” como o choque de significados nas fronteiras...” (Pág. 48) ao invés de “cultura”.
GRIMSON, Alejandro
Concorda com GRIMSON que, na leitura do conceito acima, sublinha que esta concepção do cultural como algo que sucede em zonas de conflito situa-o como processo político: refere-se aos “modos específicos pelos quais os atores se enfrentam, se aliam ou negociam” (Grimson, 2003, p. 71) – PÀG. 48.
PRICE,
Concorda com PRICE quando este argumenta sobre “arte primitiva” e diz que tal como “os africanos capturados e deportados para países distantes na época do comércio de escravos”, os objetos de “outras” sociedades foram “apreendidos, transformados em mercadoria, esvaziados da sua significação social, recolocados em novos contextos e reconceituados para responder a necessidades econômicas, culturais, políticas e ideológicas dos membros das sociedades distantes.” (ibid, p.22) = PÀG. 50.

Idéias principais.
Introdução ao Capítulo 1
           Inicialmente cita que em 1952 dois antropólogos pesquisaram mais de 300 formas de definições; em 2001 outro antropólogo reuniu mais 57 usos distintos do termo cultura que pesquisou em jornais alemães, ingleses e estadunidenses. [35]
Fala da tentativa de encontrar uma definição para o termo “cultura” que traduza, por consenso, o pensamento de todos os estudiosos.

1. Labirintos do sentido.
O autor cita que não se deve abandonar a aspiração acima, no entanto, “o relativismo epistemológico e o pensamento pós-moderno debilitaram, por caminhos distintos, aquela preocupação com a unicidade e a universalidade do conhecimento. A própria pluralidade de culturas contribui para a diversidade de paradigmas científicos, ao condicionar a produção do saber e apresentar objetos de conhecimento com configurações muito variadas.” (pág. 36)
Diante de uma variedade de disciplinas e definições de cultura, falando de uma perspectiva antropológica, Canclini resolve adotar a postura de debruçar-se com atenção e “escutar” todos os processos sociais. Assim sendo, ao invés de apresentar novos conceitos de cultura, apresenta a principais “narrativas” quando se fala de cultura nos dias hoje: (pág. 36)
a)    A noção cotidiana de cultura como sendo o acúmulo de conhecimentos e aptidões intelectuais e estéticas. (pág. 37)
O autor sublinha que a definição supra tem sustentação na filosofia idealista e supõe a distinção entre cultura e civilização, elaboradas pelos filósofos alemães no final do século XIX e início do século XX (Spencer, Windelband e Rickert).
Cita que entre as muitas criticas que se podem fazer a esta distinção taxativa entre civilização e cultura, “uma é que naturaliza a divisão entre o corporal e o mental, entre o material e o espiritual, e, portanto, a divisão do trabalho entre as classes e os grupos sociais que se dedicam a uma ou a outra dimensão.” (Pág. 37)
Afirma que essa narrativa, “naturaliza, igualmente, um conjunto de conhecimentos e gostos que seriam os únicos que valeria a pena difundir, formados numa história particular, a do Ocidente moderno, concentrada na ára europeia ou euro-norte-americana. Não sendo, pois, uma característica pertinente da cultura, no estado dos conhecimentos sobre a integração de corpo e mente, nem de uso apropriado depois da desconstrução do eurocentrismo operada pela antropologia.” (Pág. 37)
b)    Frente aos usos cotidianos acima, vulgares ou idealistas de cultura, surge um conjunto de usos científicos, que se caracterizaram por separar a cultura em oposição a outros referentes. Os dois confrontos principais a que se submete o termo são natureza-cultura e sociedade-cultura. (Pág 37)
Dois requisitos a considerar para se construir uma noção cientificamente aceitável de “cultura” (antes de comentar-se os dois confrontos acima):
1)    Uma definição unívoca, que situe o termo cultura num sitema teórico determinado e o liberte das conotações equívocas da linguagem comum;
2)    Um protocolo de observação rigoroso, que remeta ao conjunto de fatos, de processos sociais, nos quais o cultural possa registrar-se de modo sistemático.
A oposição cultura-natureza: durante um tempo acreditou-se que essa oposição permitia fazer essa delimitação. Parecia que, deste modo,  se diferenciava a cultura, aquilo criado pelo homem e por todos os homens, do simplesmente dado, do “natural” que existe no mundo. No entanto, esse campo de aplicação da cultura por oposição à natureza, mesmo depois de muitas pesquisas, não parece claramente especificado. Não se sabe por que ou de que modo a cultura pode abarcar todas as instâncias de uma formação social, ou seja, os modelos e organizações econômica, as formas de exercer o poder, as práticas religiosas, artísticas e outras. (Pág. 38)
A oposição cultura e sociedade: a sociedade é concebida como o conjunto de estruturas mais ou menos objetivas que organizam a distribuição dos meios de produção e do poder entre os indivíduos dos grupos sociais, e que determinam as práticas sociais, econômicas e políticas. No entanto essa oposição deixava de considerar uma série de atos que nada tem haver com poder ou economia, tais como: Porque homens e mulheres pintam a peoe, das sociedades mais arcaixas até a atualidade? Porque as pessoas enfeitam o corpo dependurando coisas nele?
É preciso considerar que o desenvolvimento do consumo evidenciou esses “resíduos” ou “excedentes” na vida social. Tanto assim é que, Jean Baudrillard, explica melhor esta oposição em sua  Crítica da economia política do signo (Canclini, p.40) ao estabelecer quatro tipos de valor na sociedade. Exemplo: O que é uma geladeira? Para que serve uma geladeira?
a.    Valor de uso: uma geladeira é um aparelho doméstico, serve para manter temperatura de alimentos, remédios ou qualquer outro objeto;
b.    Valor de troca: a geladeira é uma mercadoria, que demorou um certo tempo e recursos para ser produzida, e vale algo em dinheiro;
c.    Baudrillard e o "valor signo": geladeira é um conjunto de conotações, de implicações simbólicas. É "nacional" ou não, de marca etc;
d.    Baudrillard e o "valor símbolo": geladeira da minha vó, por ser da minha vó, não pode ser trocada. "Não tem preço", diz o comercial de tv.
Esta classificação permite diferenciar o socioeconômico do cultural. Os dois primeiros tipos de valor têm a ver, principalmente, mas não unicamente, com a materialidade do objeto, com a base material da vida social; os dois últimos tipos de valore referem-se à cultura, aos processos de significação. (Pág. 41)
Pierre Bourdieu, desenvolveu esta diferença entre cultura e sociedade ao mostrar que a mesma se assenta em dois tipos de relações: as de força (usos e trocas) e, dentro delas, entrelaçadas com estas relações de forças, há relações de sentidos, que organizam a vida social, as relações de significação. O mundo das significações, do sentido constitui a cultura.
Finalmente, chega-se assim, a uma possível definição operacional, compartilhada por várias disciplinas ou por autores que pertencem a diferente disciplinas Pode-se afirmar que a cultura abarca o conjunto dos processos sociais de significação ou, de um modo mais complexo, a cultura abarca o conjunto de processos sociais de produção, circulação e consumo da significação na vida social.
2.    Identidade: camisa e pele
Portanto, ao conceituar cultura destemodo equivale a dizer que ela apresenta-se como processos sociais, e parte da dificuldade de falar dela deriva do fato de que se produz, circula e se consome na história social. Não é algo que apareça sempre da mesma maneira. Daí a importância dos estudos sobre recepção e apropriação de bens e mensagens nas sociedades contemporâneas. Mostram como um mesmo objeto pode transformar-se  através de usos e reapropriações sociais. E também como, ao nos relacionarmos uns com os outros, aprendemos a ser interculturais. (Pág. 42)
Exemplo: o artesanato produzido pelos índios mexicanos que é comprado por setores urbanos e, deslocado de sua função primeira, vai decorar as paredes (ser ressignificado) de quem o comprou.
Ao prestar atenção nos deslocamentos de função e significado dos objetos, no trânsito de uma cultura para outra, chega-se à necessidade de contar com uma definição sociossemiótica da cultura, que abarque o processo de produção, circulação e consumo de significações na vida social.
Configuram essa perspectiva várias tendências, vários modos de definir ou sublinhar aspectos particulares da função social e do sentido que a cultura adquire dentro da sociedade.
Canclini passa a considerar quatro vertentes contemporâneas que destacam diversos aspectos dessa perspectiva processual, a qual considera, ao mesmo tempok o sociomaterial e o significante da cultura.
1ª. Tendência: é a que vê a cultura como a instância em que cada grupo organiza sua identidade;
2ª. Tendência: a cultura é vista como uma instância simbólica da produção e reprodução da sociedade. Apoia-se na Teoria da Ideologia de Louis Althusser, quando diz que a sociedade se reproduz através da ideologia e nos estudos de Pierre Bourdieu sobre a cultura como espaço de reprodução social e organização das diferenças.
3ª. Tendência: fala da cultura como uma instância de conformação do consenso e da hegemonia, ou seja, de configuração da cultura política e também da legitimidade.
4ª. Tendência: é a que fala da cultura como dramatização eufemizada dos conflitos sociais como dramatização simbólica do que está nos acontecedo. Por isso temos teatro, artes plásticas, cinema, canções e esporte.

3.    Substantivo ou Adjetivo ?
Uma  interpretação  muito  interessante  e  válida  pra  o  entendimento  consta  em
pensar a cultura não como substantivo, mas sim como o adjetivo cultural. Já que não faz
mais sentido imaginar a cultura como um bem propriedade de uma nação, faz sentido
imaginar a cultura como justamente a qualidade desse sistema de significa ções próprios
de um povo. E com esta visão, valoriza-se justamente a relação intercultural, como as
diferenças  de  dois  ambientes  diferentes  dialogam  entre  si,  entre  outras  palavras,  a
interculturalidade.

A  concepção de  GarcÌa  Canclini  com  relação às  identidades  culturais,  vem,  eminentemente,  através  de sua  concepção  de  hibridismo  cultural  convertida  em  modelo  explicativo  da  identidades (ESCOSTEGUY, 2001 p.171). Esta perspectiva  faz parte de outras discussões presentes na obra  do  autor,  entre  elas  a  discussão  da  possibilidade,  ou  não  de  uma  identidade  cultural comum  aos  povos  da  América  Latina.  A  partir  desta  perspectiva,  Garcia  Canclini,  a  partir de  “Diferentes,  Desiguais  e  Desconectados  (2006),  sua  mais  recente  obra,  propicia a compreensão  não  de  uma  identidade  cultural,  mas  de  um  espaço  sociocultural  latinoamericano onde estão inseridas as diversas identidades culturais.

domingo, 9 de junho de 2013

A PRÁTICA DE TOMBAMENTO 1970 À 1990


MESTRADO EM PATRIMÔNIO CULTURAL E SOCIEDADE
Disciplina:           Patrimônio Cultural e Cidadania I
Profª. Drª.          Sandra P. L. de Camargo Guedes
Profª. Drª.          Patrícia de Oliveira Áreas
Atividade:           ANÁLISE DE TEXTO e APRESENTAÇÃO EM SEMINÁRIO

Texto:                  A Prática de Tombamento : 1970-1990. In:
FONSECA, Maria Cecília Londres.  O Patrimônio em processo: trajetória da política federal de
      preservação no Brasil. 3ª. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009, p. 179-212.


1.            Contextualização do Autor
Maria Cecília Londres Fonseca
 
Formação acadêmica:
Licenciada em Letras pela PUC-RJ;
Mestre em Teoria da Literatura pela UFRJ;
Doutora em Sociologia pela UnB.

Experiência profissional:
Professora de Teoria da Literatura na PUC-RJ (1970-1975);
Pesquisadora do Centro Nacional de Referência Cultural-CNRC (1976-1979);
Coordenadora de projetos da Fundação Nacional Pró-memória (1979- 1990);
Assessora do Ministro da Cultura (1995-1998);
Coordenadora de Políticas da Secretaria de Patrimônio, Museus e Artes Plásticas do MinC (1999-2001);
Membro do Grupo de Trabalho do Patrimônio Imaterial (1998-2000);
Representante do Brasil nas reuniões de peritos internacionais, na Unesco, para a elaboração da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (2002-2003);
Conselheira do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural (2004-)
e Sócia Correspondente do IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (2205-).

Publicações:
Coordenadora da publicação Tecelagem manual no Triângulo Mineiro: uma abordagem tecnológica (Brasília: Fundação Nacional Pró-memória, 1984).
Organizadora da Revista Tempo Brasileiro 147: Patrimônio Imaterial (Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro, 2001).
Autora de O Patrimônio em processo (RJ:UFRJ; Brasília:Iphan, 2005, 2ª. ed.).

Tombam templos. Tombam prédios.
Não falta tombar mais nada.
Fujamos, fujamos
Antes que a noite seja tombada.

(Quadrinha composta por Manuel Bandeira no final de uma longa reunião do Conselho Consultivo, citada de memória por Afonso Arinos na 124ª reunião, em 13.01.1987)


2.            Objeto de estudo
                Relato histórico, resultante de pesquisa que a autora fez, junto ao IPHAN,  acerca de como se dava a prática de tombamento do patrimônio material brasileiro entre 1970 à 1990.

3.            Identificação do Problema
                Diante da ausência, na prática, de formas alternativas de preservação do nosso patrimônio, a autora observou que entre 1970-1990, o Brasil continuou adotando o tradicional tombamento como sendo o único instrumento existente para preservar seus bens, e o fez, na maioria das vezes, na ausência de uma diversidade de atores sociais, ou seja, com pouca participação da sociedade, apesar de, ao longos dos anos, ter aumentado o número de agentes participantes, dentro do IPHAN, envolvidos na prática de valoração dos bens e na emissão dos pareceres.

4.            Argumentação do autor
                Durante apresentação do capítulo, a autora pontua:
1.       É importante haver instrumentos alternativos de preservação do patrimônio, além do tradicional tombamento, conforme preconiza a Constituição de 1988 em seu artigo 216, parágrado 1º, que indica explicitamente que se busque “outras formas de preservação e acautelamento” (pág. 179);

5.            Hipótese
                Na medida em que se reconstruam séries históricas, se forem propostas leituras mais abrangentes, que não se limitem aos conceitos tradicionais de história e arte, e sobretudo se abrirem-se espaços para a participação de outros atores, estes poderão propor outras leituras e dar suporte às atividades de proteção, os efeitos dessa fase poderão redundar numa efetiva ampliação da eficácia simbólica do patrimônio e numa maior representatividade dos bens tombados relativamente à pluralidade cultural brasileira.

CAPÍTULO 5       –             A PRÁTICA DE TOMBAMENTO: 1970-1990
(179)
As expressões “Livros do Tombo” e “tombamento” provêm do Direito Português, onde a palavra “tombar” significa “inventariar”, “arrolar” ou “inscrever” nos arquivos do Reino, guardados na “Torre do Tombo”.          (Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo brasileiro)

Portanto,
Tombar = arrolar, inventariar ou inscrever nos “Livros doTombo”
         Considerando o cenário brasileiro, se anos 70-80 ampliou-se o conceito de patrimônio, em se tratando de instrumentos para preservação do mesmo, na esfera federal não se criou novas formas alternativas de preservação além do conhecido instituto do tombamento.
A competência de preservação do nosso patrimônio funciona da seguinte maneira:
A preservação dos monumentos arqueológicos e pré-históricos é regulada por lei específica, nº. 3924, de 26 de julho de 1961.
Os acervos arquivísticos e bibliográficos continuam ainda sendo objeto de estudos visando levar em conta a especificidade de sua proteção. Em outras palavras, como vimos ontem no Arquivo Histórico, nem tudo está regulamentado... seguem conversando para decidir quem vai cuidar do quê; para onde devem ser destinados os documentos.
A proteção do bens culturais móveis, está ao encargo dos museus e considerada defasada em relação à proteção do patrimônio imobiliário.
 Exemplos : os tombamentos de bens representativos da raça negra no Brasil
como O Terreiro da Casa Branca, em Salvador e a Serra da Barriga, em Alagoas (que foram conduzidos por grupos vinculados aos movimentos negros como verdadeiras lutas políticas). No caso do primeiro, tratava-se de evitar o despejo do terreiro de candomblé do local onde funcionava desde meados do século passado.
         Quanto às cidades históricas, como Tiradentes (MG), o tombamento, ao assegurar a manutenção de sua feição tradicional, pode significar uma alternativa economicamente lucrativa para a população, através do turismo.
No entanto, no caso do Pelourinho, sua restauração implicou num remanejamento e eventual saída dos moradores de menor renda.
 O tombamento sempre impõe ao bem algumas restrições e limites quanto ao uso do imóvel.
Quando se considera um bem como uma mercadoria, isso costuma ter consequências “indesejáveis” para extratos das classes média e alta, como por exemplo, para os proprietários de imóveis em setores urbanos antigos  e para os empresários da construção civil.

(181)
                Esse cenário se agrava a partir dos anos 70 em consequência da tendência de se tombar conjuntos  inteiros de imóveis que deixaram insatisfeitos  proprietários e empreiteiros nas cidades de Antônio Prado (RS), dos conjuntos das avendidas Nazareth e Governador José Malcher em Belém do Pará e, no Rio de Janeiro, o prédio da Light, o Hotel Copacabana Palace, o Parque Lage, a Praça XV.
                No entanto, segundo o arquiteto Carlos Lemos, do CONDEPHAAT, de São Paulo, no caso das fazendas paulistas antigas há, pelo contrário, interesse no tombamento, o que as valoriza no mercado imobiliário. (É POSSÍVEL VENDER O IMÓVEL, DESDE QUE SE COMUNIQUE O IPHAN DA INTENÇÃO DE VENDER E DESDE QUE OS NOVOS DONOS ASSUMAM, JUNTO AO IPHAN, A RESPONSABILIDADE PELA CONTINUIDADE DA CONSERVAÇÃO
A autora passa a considerar, de agora em diante, o instituto do tombamento, não tanto pelo seu aspecto jurídico ou técnico, mas por ser a prática mais significativa da política de preservação federal no Brasil. Não só pelo poder que ele tem de delimitar um universo simbólico específico, como também, pelo poder que tem de intervir no estatuto da propriedade e no uso do espaço físico e, sobretudo, “Porque constitui um campo onde se explicitam –e onde se podem apreender- os sentidos de preservação para os diferentes atores sociais.
                Desse momento em diante, a autora passa a analisar a prática do tombamento e suas implicações na vida social, ou seja:
o uso que dela fazem os agentes oficiais;
o modo como dela se apropriam os que a solicitam;
as reações daqueles que são afetados por sua aplicação;
os que não tem seu pedido de tombamento atendido. Nesse último caso, ela se limita às manifestações que encontrou incorporadas aos processos.
                A autora foi pesquisar nos arquivos do IPHAN os processos contendo pedidos de tombamento . Encontrou-os sob a forma de dossiês, bem organizados e bem mais detalhados se comparados aos processos da década de 60 (SPHAN) que eram bastante rápidos e sucintos.

(182)
                Notou que estavam em ordem cronológica, o que possibilitou perceber quais os critérios que nortearam a prática de preservação nas décadas de 70 e 80.
                Deixou de fora da análise os processos que se encontravam ainda em estudo (sob avaliação do IPHAN) pois como não havia um resolução (um parecer definitivo) sobre esses pedidos, não havia como perceber de que modo a instituição operava a atribuição de valor àqueles bens, quais critérios adotava para tal.
                Porém, a autora cita que graças a um estudo realizado pelo Departamento de Proteção, em 1992, e a um levantamento que ela fez no arquivo, foi possível extrair também desse conjunto alguns dados significativos.
                PROCESSOS ANALISADOS – 01.01.70 À 14.03.90
481 processos foram abertos
135 resultaram em tombamento efetivamente
  74 foram arquivados
272 ainda se achavam em fase de estudo (análise)

Conclusões:
A mais evidente é a imensa demora na análise que pode levar décadas em função da “dificuldade da instituição em dar andamento aos processos”.
Essa dificuldade foi agravada a partir de março/90 quando ocorreu, no início do governo Collor, a paralização das atividades do SPHAN (SECRETARIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL), em virtude da reforma administrativa e da dissolução do Conselho Consultivo que tornou a se reunir, somente, em maio de 1992.
DADOS LEVANTADOS PELA AUTORA NA PESQUISA:
Solicitante;
Data do pedido;
Justificativa da solicitação;
Avaliação técnica e jurídica;
Resolução do pedido.

A autora ressalta que, pela leitura dos processos, foi possível perceber as discussões e diferentes visões surgidas nas reuniões do Conselho Consultivo acerca dos “critérios de atribuição de valor artístico e de valor histórico; de valor excepcional e de valor nacional; a questão dos Programas Novos e dos bens identificados com a cultura popular e com os diferentes grupos étnicos; as noções de conjunto urbano e de cidade histórica; a questão do entorno dos bens tombados, além, é claro, da questão maior da especificidade da Sphan para decidir, sozinha, sobre a questão” uma vez que, anexo aos processos também estavam as Atas relativas às reuniões do Conselho Consultivo.

DE MAIO DE 92 ATÉ MAIO DE 95 OCORRERAM MAIS SETE TOMBAMENTOS, entre eles, do PARQUE ZOOLÓGICO DO MUSEU EMÍLIO GOELDI (BELÉM, PA) e do CINE-TEATRO CENTRAL e das pinturas a ele integradas (JUIZ DE FORA, MG)
Segundo a autora, ”não é difícil imaginar as consequências dessa morosidade, ainda mais quando se trata de pedido de um agente externo à instituição, e num momento em que a Sphan/FNpM (FUNDAÇÃO NACIONAL PRÓ-MEMÓRIA) propunha a participação da comunidade como pedra de toque de sua política de preservação.”

(183)
5.1.1      A Origem dos pedidos
Nas décadas anteriores à de 70, a grande maioria das solicitações de tombamento tinha origem dentro da própria instituição federal.
Além disso, como coloca Maria Cecília Londres Fonseca, “a população foi vista como massa pelo IPHAN, durante a fase heroica, pois era considerada incapaz de compreender o valor e sentido do PHAN; nota-se a ausência de ações de educação patrimonial, inclusive através do ensino público formal, mesmo o órgão federal de preservação tendo permanecido por quase cinquenta anos vinculado à educação, a nível ministerial. Ou seja, tratam-se de patrimônios mudos, pois, ao se referirem a valores e conceitos estranhos à maior parte da população, parecem ocultar os conceitos, valores e justificativas que os elevaram à condição de PHAN. “
De 1970 em diante, há um aumento de solicitações externas ao Sphan sendo que dos 95 processos arquivados até 1969, a maior parte tinha sido aberta por iniciativa de representantes do próprio Sphan.
No entanto, entre 1970 e 1990, entre os 89 processos , apenas 11 partiam da própria instituição (13%).
Igualmente, segundo os DEPROT, entre os processos que ainda encontravam-se em análise, a maioria continha solicitações externas à instituição. Entre os processos que resultaram em tombamento, os que partiram da própria Sphan correspondiam a pouco mais que da metade.
Assim, é possível deduzir que houve, realmente, um aumento na participação da sociedade civil na política de preservação federal no período em questão.
Claro que sendo o próprio Sphan o solicitante, constituía um facilitador. Porém, vale ressaltar que as iniciativas externas provinham de:
Assembléias legislativas e prefeituras, por iniciativa pessoal de congressistas e prefeitos ou enquanto intermediárias de grupos locais. Havia pedidos de instituições culturais, bem como, de  diretores e funcionários de algumas instituições que nele trabalhavam (Escola de Enfermagem Ana Neri, Rio de Janeiro), Colégio Pedro II,  Fundação Osvaldo Cruz, etc.
Entre os particulares, observou-se que os pedidos costumavam partir de proprietários ou de pessoas de algum modo familiarizadas com a questão da preservação: arquitetos, artistas, historiadores, intelectuais em geral.
Embora, são ainda raros, nessa época, a iniciativa por parte de grupos que se mobilizassem especificamente para essa finalidade ou associações formadas em função de uma demanda patrimonial.
A autora diz que o “boom” de associações que ocorreu no Brasil a partir da segunda metade da década de 70 ainda não chegou ao patrimônio. Há registro de apenas poucos casos como um conjunto de casas na Praça Coronel Pedro Osório, em Pelotas (RS) e as igrejas de Santana (Ceará) e a de Pati do Alferes (RJ). Tais iniciativas isoladas sensibilizaram os técnicos da Sphan, que levaram esse fato em consideração na indicação para tombamento.
Iniciativas dos moradores em torno do Copacaba Palace, do Terreiro Casa Branca em Salvador, apoiados inclusive, por instituições acadêmicas e culturais, por representantes do movimento negro e por outros grupos locais, foram minoria naquela época.
São verdadeiras exceções se considerados os processos abertos naquele período.
Observar: “na frança, em 1980, já existiam 6.000 associações em todos os domínios do patrimônio (Léniaud, 1992, p. 104).”

Da mesma forma, mas em sentido contrário, o pedido de tombamento da cidade de Antônio Prado (RS), que se organizou para impugnar o tombamento. Nesse caso, a Sphan teve que fazer todo um trabalho de esclarecimento acerca das vantagens do tombamento junto à população e, finalmente, conseguiram reverter a situação.
QUALIFICANDO A NATUREZA INDICADA PELOS DADOS COLHIDOS NA PESQUISA:
O interesse que move os pedidos variava, caso a caso.
Apesar de haver solicitações encaminhas por assembleias e prefeituras, 18 foram arquivadas e, somente, 9 atendidas e  isso não qualifica as solicitações como sendo oriundas representativamente de grupos organizados da sociedade, sim, nasceram  de um ideário difundido, à época, pela própria FNpM no sentido do reforço às identidades locais.
Aqui em Joinville, lembremos da febre inicial das fachadas que tentavam recriar o estilo “enxaimel”. (GRIFO NOSSO)
No entanto, não é possível precisar em que medida esses pedidos realmente representavam anseios de uma população, conforme se propunha nas Diretrizes, pois, para isso, seria necessário pesquisar nas fontes locais: nos grupos e associações que, alegadamente, apareciam como reivindicadoras de um tombamento.
As Diretrizes dizem que “A comunidade é a melhor guardiã de seu patrimônio” e, portanto, deveria também, como sujeito ser chamada a participar com os agentes institucionais na hora de montar o processo de solicitação de tombamento. Deveria haver amplas discussões e diálogos com a sociedade e seus diversos grupos.
NA PRÁTICA dos trabalhos de preservação, no entanto, os MECANISMOS DE SELEÇÃO DE BENS PARA TOMBAMENTO E DE OBRAS ELEGÍVEIS PARA TAL , os procedimentos continuam sendo os mesmos das  décadas anteriores:  a avaliação técnica dos pedidos sendo feita pelos setores técnicos da Administração Central da Sphan que, quase na totalidade, simplesmente acompanhava o parecer dos técnicos da Sphan. A participação das Delegacias Regionais da Sphn/FNpM era restrita aos pareceres.
Ou seja: se por um lado os pedidos deixaram de ser iniciativa exclusiva daquelas instituições, os mecanismos de decisão, no entanto, continuavam restritos aos órgãos técnicos da administração central e, salvo raras exceções, nunca se detectou muitos casos de mobilização de setores diversos da sociedade no sentido de pressionar a Sphan na prática da preservação.
Sem falar que a participação popular nos processos decisórios  e até mesmo antes, na hora de definir valores nacionais, é tarefa complexa de se levar a termo e passa por criar mecanismos institucionais  em que a sociedade de fato esteja representada. Isso poderia converter a seleção de bens numa decisão mais política do que técnica. Entretanto, essa tem sido ainda a alternativa  mais eficiente, mesmo em países de tradição centralizadora como a França, onde, desde 1984 já funcionavam as Corephase (Comissões Regionais do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Etnológico) (MESNARD, 1990, p.430);  em Portugal (desde 1946)  as próprias câmaras municipais podem promover, junto aos órgãos competentes, a classificação de bens, existentes em seus conceitos como “valores conselhios” (IPPAR, 1993, p. XX) e na Espanha, cujas regiões são bem mais autônomas se comparado aos nossos estados brasileiros em relação ao poder central, o poder local tem participação decisiva na construção do patrimônio nacional. Sem falar na Grã-Bretanha  e nos Estados Unidos –onde as ONGS tem significativa participação nas atividades de preservação; ou no Canadá onde, desde 1951, a Comissão dos Lugares e Monumentos Históricos do Canadá possui representantes de TODAS as províncias e territórios.
No Brasil essa questão continua em aberto e pouco se avançou na discussão.

(186 - 187)
5.1.2 Justificativas, pareceres e impugnações
Sempre que os pedidos eram feitos por particulares era possível perceber o interesse imediato (impedir uma demolição, desejo de dar determinado uso ao imóvel, como museu, casa de cultura, etc; meio de conseguir verba para restauração; mero desejo de garantir a preservação do bem por seu valor afetivo para a comunidade local, etc.) que refletia a afirmação do valor cultural enquanto patrimônio nacional. Como essa justificativa consiste, basicamente, na afirmação de valor histórico, da excepcionalidade do bem ou de sua importância em termos nacionais, observou-se que os proponentes dominavam de certa forma o conhecimento do código da Sphan, pois era possível detectar na justificativa a linguagem do discurso oficial.
Tais justificativas  incorporavam argumentos em favor do potencial turístico do bem, seu valor afetivo para a comunidade, a falta de órgão local de preservação, etc.
Os pareceres técnicos avaliaram essas justificativas em termos do interesse, do ponto de vista da instituição, em preservar aquele bem e, quando era o caso, discutiam os termos das impugnações aos tombamentos.
As impugnações, em sua maioria, foram derrotadas no Conselho Consultivo.

(188)
5.2          OS PRINCIPAIS PROBLEMAS
5.2.1      As concepções de valor histórico e de valor artístico

                As escolhas sobre o que tombar, até na década de 70 levavam em consideração muito mais a arquitetura (valor artístico) do que o contexto histórico na qual o bem estava inserido.
                Havia controvérsias entre os arquitetos sobre o que tombar ou não.
                Somente, em 1980, depois do devido distanciamento daquelas discussões, é que as concepções mais recentes da nova historiografia começaram a ser incorporadas à prática de tombamentos do Sphan, MAS ERAM REITERADAMENTE CONTESTADAS nas impugnações.
                Ainda persiste o dilema ante fachadas modestas (estética) X palco de eventos notáveis (históricos); problema que assumiu uma dimensão não apenas conceitual como também política.

5.2.2      As concepções de valor excepcional e de valor nacional
                Valor excepcional = originalidade – atualmente, já deixou de ser determinante
                Valor nacional- depois que passou a haver tombamentos estaduais e municipais, torna-se cada vez mais dificultoso atribuir o valor nacional aos bens na medida em que passam a se tornar viáveis os tombamentos municipais e estaduais. Muito embora  O TOMBAMENTO NACIONAL CONTINUA SENDO CONSIDERADO O DE MAIOR PRESTÍGIO E O QUE ASSEGURA, EFETIVAMENTE A PROTEÇÃO DO BEM.

(198)
5.2.3      Os conceitos de centro histórico e de entorno
                O valor de excepcionalidade (estética) não é mais tão importante e, sim, as vivências históricas.
                O enfoque é multidisciplinar para o que concorrem a história, a geografia, a geologia, a antropologia, etc.

EXAMPLO: O TOMBAMENTO DE LAGUNA E DE SÃO FRANCISCO DO SUL
                Se bem que, na verdade, essa linha de interpretação é muito recente na instituição e suas consequências práticas, em temos de mudança na valoração de bens e nas condutas visando à proteção –que deixam, agora, de ser tarefa exclusiva de arquitetos- ainda não podem ser avaliadas.

                ENTORNO dos monumentos tombados: na legislação brasileira tudo é analisado caso a caso; ao contrário, na França, onde o perímetro é fixado por lei em 500 metros.
                A ideia de entorno evoluiu da ideia inicial de preservar a visibilidade do bem para a de garantir a manutenção de uma ambiência.
                Também nesse caso a abordagem exclusivamente arquitetônica é hoje insuficiente, sendo imprescindível o recurso a outros especialistas.
                A COMPREENSÃO DO QUE SEJA O ENTORNO DE UM BEM TOMBADO É AINDA HOJE PONTO DE ATRITO NOS PROCESSOS DE TOMBAMENTO e suscita protestos, especialmente quando se tomba um prédio no entorno com o objetivo de colaborar na manutenção da ambiência de um conjunto inteiro previamente tombado.
(200)
5.2.4      Sobre a legitimidade do processo de atribuição de valor nos tombamentos
                Os critérios para inscrição nos LIVROS DO TOMBO é um problema que foi deixado em segundo plano pelos técnicos da Sphan. O tipo de inscrição condiciona não só a leitura do bem, como também o modo como será conservado.
                Difícil de entender, por exemplo, por que a CAIXA-D’ÁGUA de Pelotas (RS),cujo caráter pioneiro é suportado por documentos, está inscrita apenas no LBA, enquanto o Reservatório de Mocó (AM), mais recente, tem dupla inscrição ( LH/LBA ).
                E o Prédio do MEC e  Parque Guinle (RJ)  que foram inscritos, somente, no (LH)?
                Essa inscrição fez parte de uma estratégia a que recorreu o arquiteto Lúcio Costa (membro do Sphan) para proteger sua obra, já tombada pela UNESCO, das descaracterizações que a ameaçavam. Foi a forma encontrada para contornar objeções que eram feitas por arquitetos locais do ponto de vista estético e urbanístico, movidas possivelmente também pelo interesse em liberar a área para investimentos imobiliários. ( A autora referencia que deve estes esclarecimentos aos arquitetos Antônio Pedro Alcântara e Fernando Madeira).
                Há toda uma série de interesses por trás cada decisão sobre em qual livro um bem será inscrito.

5.3          A ATUAÇÃO DO CONSELHO CONSULTIVO
                Após várias divergências de opinião entre os membros do FNpM e Sphan, o Ministro da Cultura decidiu pela unificação do comando das duas instituições para eliminar a divisão entre o “patrimônio arquitetônico” e o “patrimônio antropológico”.
                A partir de 1992, o número de membros do Conselho Consultivo aumentou de 10 para 13 e contempla representantes IAB (Institudo dos Arquitetos), do (IBAMA) Instituto do Meio Ambiente e do ICOMOS.
                O Conselho Consultivo passou a participar das decisões relativas aos tombamentos.

5.4          OBSERVAÇÕES FINAIS
                Observa-se uma pluralidade maior de tombamentos não mais restritos àqueles esteticamente considerados interessantes.
                Exemplo: o tombamento de um bem inusitado, a Fábrica de Vinho Tinto de Caju Tito Silva que se justifica, segundo José Mindlin, relator do processo no Conselho  Consultivo pois
“Trata-se de uma inovação em matéria de tombamento, pois visa à preservação de um processo industrial, e não de um monumento histórico ou artístico”
                Quanto ao número de bens tombados, decresceu o número de bens de arquitetura religiosa e militar; aumentando o número de conjuntos.
                O que mais chama a atenção, no entanto, é a diversificação dos bens de arquitetura civil. O de bens naturais ainda é esporádico mesmo porque nesse período várias ONG’s já atuavam em defesa e proteção do meio ambiente.
                Nos anos 80 observa-se que aumentaram as inscrições no Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico e no Livro Histórico foram um pouco mais numerosas do que no livro de Belas Artes, porém, a diferença não é significativa.
                Os tombamentos das décadas de 70 e 80  representaram um período de transição para o período iniciado em 90 .
                A autora acredita que os efeitos dessa transição podem abrir espaços para a participação de outros atores, que poderão propor outras leituras e dar suporte às atividades e proteção e poderão redundar numa efetiva ampliação da eficácia simbólica do patrimônio e numa maior representatividade dos bens tombados relativamente à pluralidade cultural brasileira.

6             -              PRINCIPAIS RESULTADOS
                                Após leitura e análise do capítulo, foi possível compreender que:
·         A proteção de bens de outros contextos que não o da cultura luso-brasileira continua rara (pág. 208);
·         A proteção de bens que estão inseridos dentro de uma dinâmica de uso popular (exemplo: o do terreiro de candomblé) continua sendo problemática pelos critérios em vigor (págs. 180 e 208);
·         Não ocorrem tombamentos de bens referentes às etnias indígenas, o que leva a supor que o interesse desses grupos estivesse voltado para outras frentes  de atuação política como ocorreu na Constituinte (págs. 208 e 209);
·         Se o patrimônio se abriu para novos tipos de bens, a Sphan ainda não sabia exatamente como fazer para proteger esses bens. (pág. 209)
·         Entre 1970-1980 , a análise dos pareceres emitidos nos pedidos de solicitação de tombamento caracteriza esse período como um momento de coexistência e, em certos momentos, de confronto, entre orientações distintas, o que se expressou muito mais no nível das práticas que do discurso. (pág. 209)
·         Tomado o período de 1970-1990 e considerando-se a situação acima em termos de longo prazo, podemos supor que, na verdade, se trate de um período de transição. (pág. 209)